Internacionales
O agronegócio e as geladeiras – Por Marcos Sawaya Jank
O agronegócio brasileiro tornou-se global graças à combinação de recursos naturais abundantes com alta tecnologia tropical, produtores competentes e cadeias produtivas integradas.
Não há dúvida de que o crescimento da população, da renda e da urbanização em países com grande deficiência de recursos naturais vai abrir oportunidades fantásticas para as commodities básicas. Mas, vivendo hoje na Ásia, tenho observado o imenso peso que um único fator, raramente citado, tem tido nas cadeias alimentares: a geladeira – ou, num escopo mais amplo, o desenvolvimento da cadeia refrigerada no apoio ao setor de alimentos.
Carnes, laticínios, frutas e verduras são apenas alguns exemplos de alimentos que dependem fundamentalmente da abrangência e da qualidade da cadeia do frio.
No Brasil, 95% dos lares possuem hoje geladeira. Graças à cadeia do frio, as feiras e os pequenos varejos tradicionais foram sendo paulatinamente engolidos pelos supermercados. Hoje, as pessoas estocam alimentos perecíveis sem maiores dificuldades, poupando as frequentes idas ao varejo da esquina. Não muito distante, nossos antepassados matavam galinhas em casa para comer. Hoje, todo o mundo tem amplo acesso aos alimentos processados, resfriados ou congelados. E a sanidade e a qualidade dos produtos melhoraram muito com o apoio da armazenagem a frio, principalmente nas áreas tropicais.
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Mas, se a geladeira representa uma realidade plenamente assimilada, que revolucionou a vida das pessoas no Brasil e nos países ricos, na maior parte do mundo em desenvolvimento ela ainda se apresenta como um privilégio para poucos.
Vejamos alguns exemplos gritantes. Na Índia, somente 24% dos lares têm geladeira, porém a instabilidade da energia elétrica faz com que 95% do consumo passe pelos chamados «wet markets», ou «mercados molhados», em tradução livre. Esses nada mais são do que bancadas nas quais são expostos produtos vivos ou frescos sem nenhuma refrigeração, não raro em condições higiênicas bastante precárias. O nome «mercados molhados» vem das frequentes lavagens que são feitas nesses locais para reduzir o potencial de contaminação dos alimentos.
Na Indonésia e nas Filipinas, somente um terço dos lares tem geladeira e os mercados molhados respondem por 80% e 70% do consumo total, respectivamente. Na China, 88% dos lares já têm geladeira, após uma fantástica evolução que começou quase do zero em 1980. Mas mesmo na China os «wet markets» ainda respondem por mais da metade do consumo total. Em pleno século 21, números dessa magnitude soam como absurdos, pois estamos falando de quatro países que somam mais de 3 bilhões de habitantes juntos.
No caso das carnes, são encontrados animais vivos em gaiolas ou aquários, que são selecionados visualmente pelo consumidor e abatidos no local. Nesses mercados, além de carnes de aves, bovinos, suínos e peixes, não raro encontramos répteis, sapos, moluscos, enguias, tartarugas, insetos, morcegos e outras iguarias que compõem a culinária local. A escolha do produto fresco, recém colhido ou abatido, faz todo o sentido quando não existe a cadeia fria. Mas quando ela se desenvolve o consumidor busca rapidamente novos canais e categorias de produtos, a exemplo do que aconteceu no Brasil.
Na África, as condições dos mercados tradicionais são ainda mais precárias e desafiadoras.
Um século após o lançamento da primeira geladeira doméstica, o mundo oferece uma imensa oportunidade para as empresas brasileiras, que vai muito além da clássica exportação de commodities agropecuárias a granel.
(*) Marcos S. Jank é especialista em questões globais do agronegócio.
Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado, 28/11/2015
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